quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Ah, Banzaê!

 Mais de um ano na companhia de Banzaê 

Foi doloroso. Muito doloroso!

Não há amor em Banzaê.

Não há.

Uma tristeza entorpece esse encontro.

Um encontro sem fim.

A partida seria o melhor? Talvez!

Caneca me salva.

Ah, Caneca! Você me mantém de pé.

Você me mantém em pé!

Que dor, que tristeza, que…

Reticências doloridas.

Caneca, se não fosse você, papai desistiria.

Ela tem me visitado, ela tem se esforçado pra me levar…

Não há amor em Banzaê. Não há!

Preciso fincar raízes, mas não há terra arada

Não há amor em Banzaê. Não há!

A quem pedir socorro?

Não há amor em Banzaê. Não há!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Não(,) há!

Os dias têm sido difícil.

São tantas horas solitário,

resumido em seis paredes,

que estou sucumbindo nessa paz mortal.


Eu entro em desespero. O que vai acontecer?

Durmo, acordo, como, engordo.

Não há vontade para nada.

Socorro!


Parece não haver expectativas 

Parece não haver vida

Não há amor em Banzaê!

Não há amor em Banzaê?

Não(,) há!


Uma Caneca me salva,

Traz amor em pote de pelos

Será que falará?

Caneca não deve falar.


A língua enrola por tagarelar,

contudo não há ouvidos à espreita.

Como há de sobreviver 

uma matraca calada?

Não(,) há!


Eu preciso falar.

Eu preciso gritar.

Como há de sobreviver 

uma matraca calada?

Não(,) há!


Os dias passam lentamente, o ar me falta.

Puxo. Nada!

A memória falha, o vinil arranhado,

um rodopio sem parar.


Como há de sobreviver,

uma matraca calada?

Não(,) há!


As possibilidades se esgotam aos poucos,

não há amor em Banzaê?

Não(,) há!

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Oração da Dança - Santo Agostinho

Louvada seja a dança,
ela liberta o homem
do peso das coisas materiais 
para transformar a sociedade.
Louvada seja a dança,
que exige tudo e fortalece
a saúde, uma mente serena,
ou uma alma encatada.
A dança significa transformar
o tempo, o espaço ou só o homem
Que sempre corre perigo,
de perder-se ou somente cérebro,
ou só vontade ou só sentimento.
A Dança, porém,
exige que o ser humano inteiro,
ancordado em seu centro,
E que não conhece a vontade
De dominar gente e coisas,
E que não sente a obsessão
De estar perdido no seu ego.
A dança exige o homem livre e aberto
Vibrando na harmonia de todas as forças.
Ó homem, ó mulher aprenda dançar
Senão os anjos no céu
Não saberão o que fazer contigo

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

I will survive, literalmente (!)? - 2

Que a censura, não apague a chama.
Que a dor, não sufoque o grito.
Que a asfixia, não estrangule o amor.
Que ser, não seja proibido.

É proibido proibir!

Que a resistência não sucumba ao fel.
Que indiferença não pode a mente.
Que a intolerância não destroce a esperança.
Que a esperança não seja a primeira a matar.
E que não seja a última a morrer.

É proibido proibir!

Que o desespero não encontro terra fértil.
Que a terra seque para o pânico.
Que lutar represente a força.
Que a força não se contraia no medo.
Que a garganta não feche pela repressão.
Que não se mate pela incapacidade.
Que a inclusão não seja excluída.

É proibido proibir!

Que o eu não seja silenciado.
Que o lírico cresça o eu.
Que o gênero seja união.
Que a sexualidade seja livre.
Que o respeito seja mais importante que crenças.
Que a religião não seja lugar de poder.

É proibido proibir!

Que o pé seja a rotina da dança, não arma de fuga.
Que o estômago seja só para ser alimentado, não objeto de ânsia.
Que o coração seja o símbolo das emoções.
Que neurônios façam sinapses por alegrias.
Que o cérebro se encha de compaixão.
Que você acolha os eus.
Que os eus sejam acolhidos por vocês.

É proibido proibir!

Que educar seja ato de amor.
Que a educação seja ato politizado.
Que lecionar seja ação transformadora.
Que o prefixo "trans" não seja repelido.
Que "trans" seja mudança na formação.
Que artistas produzam Arte.
Que professores sejam acolhidos.
Que famílias orgulhem-se de professores.

É proibido proibir!

Que o amor vença.
Que a dor seja só de topadas.
Que a angústia seja pelo final da novela.
Que a ansiedade seja para comer o hambúrguer.
Que a respiração seja tranquila.
Que ser seja esplendoroso.
Que a esperança seja a esperança da luta.
Que eu sobreviva à dor.
I will survive, literalmente!

I will surviver, literalmente(!)?

Desde sexta passada, os dias têm apertado meu juízo.
Já tive crise de pânico, outras vezes.
Cheio de pontos, mesmo.
Porque a cada frase finalizada, é uma morte aproximada.
Prostituição, sexualidade e gênero, são temas sempre problemáticos.
Mas você precisa mencioná-los, junto à violência contra mulher,
o machismo, feminicídio e outros,
pois a BNCC determina-os como temas transversais.
Dentro dos seus conteúdos, você precisa abordá-los,
como forma de transformação social.
O prefixo "trans" causa tanto incômodo,
só por significar mudança.
Uma sociedade fóbica só por um prefixo.
O negócio é que ele representa pessoas, comunidade excluída,
marginalizada e assassinada.
Ele representa uma expectativa de vida de 35 anos,
de uma população que é tão abusada pela família brasileira.
Discretamente, eu fui podado.
O problema é que discrição não é comigo.
Não admito essa palavra, não sou discreto,
já saí do armário.
Na real, o meu sempre esteve escancarado,
mas quebrei suas portas.
Sou professor e reconheço a importância
social e moral da minha profissão.
Não admito ser podado,
quando tento desconstruir heranças fóbicas.
O papel da Arte é criticar e desconstruir sociedades,
para fazê-las enxergar que não há porquê
de fobias, e, então, fazer seres conscientes de si e dxs demais.
Pode parecer, a muitos, algo simples e que não
precisa se deixar ser tão afetado,
mas a coisa velada, dói tanto quanto a escancarada.
Entendo que todas as outras coisas que
rodeiam minha cinesfera, são tão pavorosas,
além de um cansaço extremo e sufocante,
por um final de ano letivo que não chega ao fim.
Acabei de lembrar. É um desejo pelo fim de 2019.
O pior dos últimos piores. Precisa findar.
A esperança precisa se instalar,
mesmo que seja a primeira a matar.
Não consigo usar metáforas.
Saudades da minha época metafórica.
A ingenuidade acabou, quando floresceu a pancadaria adulta.
Preciso registrar, diretamente, cada respiração ofegante,
cada sensação de falta de ar, de pressão torácica.
(o que anunciava um desenrolar de lágrimas, está oco)
A dança reconecta meu instinto com meu ser.
Preciso dançar.

domingo, 10 de novembro de 2019

Wannabe

Whatsapp:

"(...)
Amiga: Quero ver se você queria ter a minha infância? hahaha
Eu: Infância? É uma coisa que queria ter tido. Não importa qual, mas queria não ter sido privado de tudo que quis fazer ou que gostava. Não podia fazer nada, pois tudo que gostava, era "coisa de viado", e eu podia apanhar, e apanhava, ou podia ficar de castigo, e ficava. Que bom que você teve infância, pobre ou de elite, ao menos você teve.
Amiga: O.O
Eu: Você tocou num dos meus traumas de vida. Só isso! ¯\_(ツ)_/¯
Amiga: =(
Eu: Vou nem falar mais sobre, porque eu te respondendo, já comecei a chorar.
Amiga: Desculpa, mano! Melhor para com essa conversa, então! Vá tomar sua caipirosca e ser feliz! S2"

Instagram:

"Eu: Desculpe por ontem. Não consegui controlar meu trauma, preso em mim. Ele começou a bater as asas e gritar que existia, mas consegui aprisioná-lo de novo.
Amiga: Não se preocupe, mano! Te entendo perfeitamente. Acontece isso comigo também. Te entendo S2. Não precisa se preocupar! S2
Eu: Obrigado por me entender e me acolher. Estava aqui vendo os clipes de Backstreet Boys e das Spice Girls, momentos da minha infância (calculando, agora, percebo que era da adolescência, mas para um efeito mais dramático, porque preciso resgatar essa drama, continuarei associando-o à minha infância) que foram enclausurados por meu pai. Dizia que não gostava das bandas, mas lembrei que sempre preferi as meninas. E, vendo os clipes, lembrei-me que meu sonho era ser a Emma. Depois percebi que algo gritava querendo ser a Victoria, mas ela sempre era muito nojenta nos clipes, e me culpava por querer ser a nojenta. Acabei escolhendo a Emma. Sonhava com as plataformas da Emma.
Amiga: Eu amava as Spice Girls S2 S2 S2. Imagino, maninho. Agora você pode ser o que você quiser! S2"


Eu nunca pude fazer nada do que queria ou do que gostava. Meu pai dizia ser "coisa de viado"; minha mãe, me deixava ser quem eu era e sempre fui, mas tinha o receio de eu ser discriminado. Ela sempre me defendeu, sabe? Quando vinham pra cima de mim, eu via minha mãe se transformar, eu não a reconhecia. Sentia-me culpado por qualquer coisa que fizesse, que geraria o "mulherzinha", daí minha mãe virava um bicho, e eu pensava que a culpa era minha por ela estar daquele jeito. Eu tinha que evitar dela parecer a famosa onça defendo as crias. Eu tinha medo por mim e por ela. Só que ra mais forte que eu!

De tanto ouvir que eu era "mulherzinha", pensava se eu, realmente, me sentia assim, uma mulher. Eu pegava os sapatos altos de mamãe e tentava calçá-los, mas meus pés eram enormes perto dos dela. Com aqueles sapatos menores que meus pés, eu me sentia "uma sapatão". Não sei qual a relação. Talvez, o fato de que precisaria de sapatos maiores. Enfim, calçado, me olhava no espelho e sentia/percebia que algo, ali, estava fora do normal. Eu era chamado de "mulherzinha" (palavreado que tanto me machucou por anos a fio, por toda infância e adolescência, até a idade adulta, quando reproduzia meu machismo e homofobia, sem se quer me dar conta disso), mas com sapatos de salto alto, eu sentia/percebia que eu não estava nesse lugar.

A primeira vez que senti atração por um homem? Lembro-me bem! Eu tinha 8 anos, assistia à novela Quatro por Quatro. A cena? Marcelo Novaes tomando banho e cantando "Metamorfose Ambulante", acho que é do seu Raul. Não tenho certeza! Siiiim! Marcelo Novaes foi o meu amor platônico da infância e da adolescência, ou como se diz hoje em dia, foi o meu primeiro crush. Mesmo envelhecido, ele continua lindo. (Nunca falei disso com mamãe, talvez, ela vá descobrir ao ler esse texto. Ela sempre lê o que escrevo. Ela sempre sendo maravilhosa!)

E qual o meu ídolo de infância? Xuxa! Até hoje ela é! Claro, eu nunca pude gostar dela. Na realidade, eu sempre fui proibido de demonstrar que eu gostava dela. Gostar da Xuxa era "coisa de viado"! Além disso, ela tinha feito lá o filme do fuscão preto, e isso era "porco, nojento, imundo", mas me forças a ver a Playboy, entre 7 e 14 anos, era "coisa de homem" e podia, né pai? Quer dizer, homem que contribuiu para a fecundação do óvulo de mamãe, mas que nunca ocupou esse posto! Seu verme! Querer ser "meu papai" quando eu tinha 21 anos, não vai apagar a memória de você querendo me bater por descobrir que eu fazia dança, em expulsar de casa a mim, mamãe e minhas irmãs, só por eu fazer dança, sabe? Não vai apagar da memória os quase 33 anos que vivi vendo minha mãe sendo sua vítima de violência doméstica, recebendo apertos no braço, xingamentos, humilhações em casa e em público, piadas difamatórias, em ser proibida de trabalhar porque "mulher sua tinha que ficar em casa te esperando", e vê-la te amando de forma desmedida, e aceitar sua exigências com medo de ser abandonada. Mulheres da época dela foram criadas para se submeterem a esses comportamentos, para não serem difamadas, pois casamento tinha de ser pro resto da vida, até que a morte os separe. O problema é que cresci vivendo com o medo de que quem ia separá-los, era a morte dela. Mas você faz parte do passado, os traumas que me deixou, doem até hoje e continuarão a doer, pelo jeito, mas sem sua presença a vida segue mais leve. Hoje, vejo o sorriso em mamãe que você nunca deixou ela ter. Vai ser doloroso, nos desgrudarmos de sua má influência, reconhecer que você ainda existe em nós e termos de destruir sua presença tóxica na gente, mas sobreviveremos! We will survive!

Hoje, eu, finalmente, posso ser quem eu sou. Trabalho, pago minhas contas, moro com mamãe, a quem não me enxergo sem estar ao meu lado, afinal, se eu estou aqui, sabe, é por causa dela. Há seis anos, Lara surgiu, e é a quem também devo estar aqui. Mamãe e Lara são as mulheres da minha vida, são as razões pelas quais quando pensei em desistir de mim, um lapso de consciência me fez lembrar que mamãe não merecia enterrar o filho, e Lara não merecia crescer sem o tio. Eu sou a única referência masculina não tóxica da vida da minha bebê, e eu não tenho direito de tirar isso dela.

Os sapatos de salto alto, já não me configuram como mulher, nem o mulherzinha, bichinha, marica, boiola, baitola, muito menos o viado me configuram como alguém inferior, como algo e não como ser humano. Eu me desconstruí, compreende? Sou viado, sim. Sou boiola, sim. Sou baitola, maricas, maricona (já estou velha, né!), bicha, bichinha, mulherzinha, sou tudo isso, e se você reclamar ou tentar me ofender, vou ser ainda mais afeminado, sabe porquê? Porque se estou aqui, é porque também milhares de bichas afeminadas, travestis, transexuais e transgêneros morreram para que eu pudesse ter meu lugar ao sol, e eu devo isso a todas, todos e todxs.

Hoje eu sou a Emma, a Victoria, a Mel B, Mel C, Geri. Sou a Madonna, em Erotica, a Madonna em Ray of Light. Sou a Licia, a Renata Abreu, a Marcelle Cristine, Cibele, Thisciane, Pamala, Luana, Carmen, Thalia, Toni Braxton, Whitney Houston, Carmem Miranda. Sou Audrey Hepburn (meu alter ego), Marilyn Monroe, Mileise, Andrea Snow, Samile, sou todas! Sou quem eu quiser. Sou mamãe, dona May, sou Lara!

PS: Homens gays, dificilmente, têm ídolos masculinos! O porque disso? Pergunte ao seu machismo, sexismo, misoginia e à sua lgbtqi+fobia!

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Minha ansiedade tem entrado em contato direto com meu medo.
É como se fosse vídeo chamada, sabe?
Eles se vêm claramente, conversam entre si, o estômago aperta.
Os dias estão tensos, dolorosos.
O sorriso disfarça bem, afinal, para alguma coisa a formação em teatro tem de servir.
Só que no ambiente isolado, o maremoto desbrava o labirinto cerebral,
as rosas murcham, as folhas secam dentro dos livros, o café acaba.
Os cabelos crescem, mas a irritação das horas faz com que caiam.
Está angustiante!
Queria ter 1/10 de sua coragem, sabe? Você inspira, você me inspira,
mas como minha ansiedade e o medo estão bem amigáveis, eu desisto.
Está duro, doloroso.
As ideações não têm me perseguido, por enquanto.
No entretanto, o sol não há de sorrir.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Não sei mais como te dizer que você precisa se importar com a vida das outras pessoas.
"Não tenho pré-conceito, mas...", pode parar por aí.
"Mas" é conjunção adversativa, portanto, expressa ideia oposta à afirmação anterior.
Se você usa conjunção adversativa para falar sobre alguém,
você tem pré-conceito contra ao que a pessoa é.
É difícil entender que amor não tem gênero?
Difícil entender que amor não tem cor de pele?
Difícil de entender que respeito deve ser sua principal característica?
É mesmo complicado de entender que se você não aceita, é a sua obrigação respeitar?
O que vai mudar na sua vida, ao saber com quem seu filho dorme, com quem sua vizinha vai pra cama?
Se a sua preocupação deve ser a de saber se que se eles estão felizes e bens, isso é o que mais importa.
O que vai mudar na sua vida, se a população negra alcançar melhores condições de vida?
O que vai mudar na sua vida, se uma faxineira consegue viajar nas férias?
Qual a dificuldade em entender que todos temos direitos iguais, perante à Constituição, e que o acesso as esses direitos deve ser de maneira equivalente para todos?
Que espécie de doença você tem ao acreditar que um LGBTQ+, que um indígena, um negro, uma mulher, um paciente da saúde mental ter as mesmas condições de vida que as suas?
Porque não aceitar que somos todos iguais?
Se seu deus disse que somos todos irmãos, que somos todos iguais perante à sua religiosidade cristã, que devemos pregar o amor ao próximo e à próxima, porque você insistir em só pensar em si?
Porque culpar mulheres vítimas de assédio, abuso, estupro? Como você pode achar que a vítima é a culpada?
Como você consegue achar que uma idosa de 101 anos, que não anda e nem fala, é culpada por permitir que seu genro a estuprasse?
Como você aceita retirar a educação sexual das escolas, sabendo que com acesso à informação, milhares de crianças podem se sentir seguras e denunciarem seus abusadores?
Como ser à favor da vida, e querer que uma menina de 11 anos, estuprada pelo avô, tenha de ser obrigada à parir essa criança, e ignorar a dor dela?
Que espécie de ser humano monstruoso/monstruosa é você?
Por favor, pare, pense!
Lembre-se, amanhã você pode ser a vítima!

domingo, 2 de setembro de 2018

Eu só tenho existido, e existir me cansa, me mata.
Há mais de 30 dias, eu não vivo.
A ansiedade me consome, me destrói.
Aliás, há mais de um ano, ela me persegue.
Acaba meus dias, engorda meu corpo.
Viver naquela oscilação entre exercer o que se ama,
mas com prazo de validade a expirar... não é vida, é sobrevida.
Estou cansado de existir. A existência me dilacera, a vida para.
Eu não sei ser metade, mas essa metade não se completa.
Dói a falta de completude. Ideações me perseguem!
A solidão tem me afundado.
Mas como? Eu sou só, mas não sou só isso.
A tenho bem resolvida, mas a falta de um porto, naufraga.
Estou sem porto, estou sem âncora.
Onde estás? Quem sois? Volta!
Lá do fundo, ouço meus gritos, ouço meus apelos.
Gritos me chamam, apelos me imploram.
Estou surdo!
A densidade da água ensurdece, o silêncio é ensurdecedor.
Grito! Não há quem ouça, não há como me ouvir. Não me ouço!
Ansiedade que tanto persiste, acalme-se, por favor! Necessito viver!
Ouço as bolhas de ar papocarem nesse profundo rio interior.
Falta-me ar! Falta-me oxigênio.
Queria ser um peixe. Sou um possível fracasso? Talvez!
Hoje, não me há esperanças. Amanhã? Quem sabe!
Avisto terreno arenoso submerso em mim.
Tenho chegado ao fundo. Por hoje, desisto.
Hora de descansar!

quarta-feira, 7 de março de 2018

"Eu sou só, mas não sou só isso!",
certa feita me falaram.
Sou só, não sou só isso, e sou um.
Apenas, um!
Moinho que gira hélices,
um grão empurrado pela ventania,
um.

A solidão solitariamente povoada
e pública publica, com rajadas de oxigênio,
a busca incessante por tal elemento químico
que persiste a faltar-me nessa deliciosa dança,
que há, em cada homem, dois bailarinos.
O direito e o esquerdo.

Solidão tão povoada de sós,
que energiza as raízes fincadas,
em solo arenoso invadido por ventos
ventados que escoam pelos dedos dos mesmos moinhos.

Ah, como é bom ser só, ter a vida só,
pois a companhia alheia soma-se e
à sua solidão solitária sozinha repovoada,
mantém-se só ao teu lado, numa eletrizante alta tensão.














(Foto: Fotografia UFS)

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Moinhos ao vento

Criei o costume de afastar pessoas
que insistem em usar a expressão
"Ah, eu gosto de ficar sozinho!",
para justificar o ato de ignorar as outras.
Querem ficar a sós, mas não desejam que você as deixe.
Se gostas de ficar só, então seja só.
Porque eu as afasto de mim?
Simples, eu fui um menino e um adolescente solitário,
e não preciso mais de solidão ao meu redor.
Eu consigo ser só, no meio da multidão.
Cresci numa casa com cinco pessoas,
e passei a vida trancado no quarto assistindo televisão.
Enquanto minha casa vivia com uma enxurrada humana,
eu era só, eu vivia só, eu estive só.
Mas há quem diga que esse menino solitário já não existe mais,
só que estão enganados. Esse menino existe e é por causa dele
que tenho a solidão bem resolvida em mim.
Esse menino, agora, está grafado em minha pele,
reforçando a presença dele em mim: o meu menino, o meu pequeno solitário.
E ao olhar para ele, retratado em meu corpo, em minha existência,
lembro-me da nossa vida, nossa infância, nossa adolescência.
Lembro de nós dois!
Em meio a inúmeros moinhos, a paisagem me soa poética, identificável.
Tantos moinhos unidos, e cada um deles se faz solitário.
Todos juntos, unidos por um mesmo propósito,
e isolados na imensidão de areias desérticas.
Sou um moinho, vivendo minha existência ao redor de tantos outros.
O vento gira as hélices, o vento gira a minha vida e a leva pelo espaço e tempo,
pois meu corpo é fumaça que se esvai no ar.


domingo, 10 de abril de 2016

Fragmentos de um ser anônimo de outro estranho.

Aracaju, 10 de abril de 20...

Desde terça, eu não tomo mais remédios.
Aliás, levo apenas da faixa preta.
Passei da faixa vermelha.
Um ano e meio depois, a linha,
que antes era tênue, inclina-se
e o final, que aparenta ser em breve, é sem fim.
Há uma inacreditável vontade de sair.
Há uma absurda culpa em partir.
Já partiram, algumas. E delas, a dor da ausência chegou.
Partiu outro. Mas dele, quase 9 meses depois,
o cérebro perpetua em não crer na saída.
Há diversos conflitos, entre o fim e tudo que fomos vividos.
Mente que ainda insiste em querê-lo. Em querê-lo perto.
Mas sabe que a insistência parte da necessidade de ter um porto.
De ter seguro em mim, quem aceite dividir, jamais, solucionar.
Dentro de uma tempestade, não dá para enxergar a bonança.
Às vezes, quem está ao seu lado, e de fora, é quem enxerga.
Faz falta ter quem enxergue e te fale que a bonança chegará.
Não é falta de amor próprio. Não!
Isso a ciência psicoterapêutica, me garante.
Mesmo que a garantia seja em sua ausência.
Tantas ausências sentidas, doídas, e perdi luta com a faixa vermelha.
Nessa luta, nesse tatame, não foi eu quem ganhou.
A preta já entrou no ringue.
Só que a vermelha não permite a revanche.
E há a raiva que nisso se propaga. Instala-se, finca-se!
Raiva. Raiva. Raiva e, mais raiva.
Dolorosa raiva. Dolorida carne.
Carne arrancada por uma, três, duas, três, uma partidas.
Um local seguro, do qual não desfruto mais.
E hoje, onde aporto, são nas entranhas do meu corpo.
Onde me resguardo.
Onde te enfrento.
Onde te ataco.
Onde te mato.
No hemisfério direito da delicadeza de puras emoções,
sorrisos simpáticos, olhares profundos, pensamentos uivantes.
Meu corpo é fumaça que se esvai no ar.
Nove meses se passaram.
A enxurrada só vai começar.


Antes que eu morra,






________________________________

Havia esquecido o alívio da escrita.

domingo, 3 de janeiro de 2016

A tristeza corrói.

Rio de Janeiro, 25 de abril de 2015


"A tristeza corrói.
Você vive na ilusão de não
viver em função dela.
Mas como?
Não é uma questão de não querer.
Você deixa de ter vontade própria.
A corrosão é pesada. É intensa!
Seu corpo se dissolve nela.
O corpo se dissolve por ela.
São pequenas peças que caem,...
que caem, à medida em que o esfacelamento do seu ser, se esvai,
em busca de um fim, de um aportar.
Mas o fim é infinito, é dilacerante.
E não se acaba. E só há queda"

(Ricardo Montalvão)

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

É a vida desse meu lugar...



Hoje! É só o que importa.
Ou o que deveria, apenas, importar.
Estamos todos presentes numa plataforma de estação de trem.
À espera, a encontrar e a despedir.
Uma plataforma cheia, em horário de pico.
Cada um à espera seu trem de partida ou de chegar.
Nele estão os novos encontros, as novas despedidas.
Há uns que se espremam para partir, outros, para chegarem.
Você se move de um lado a outro, à espera da sua hora,
mas enquanto não chega seu trem, do outro lado da plataforma,
avista os que partiram, e até acena para eles.
A partida pode ser dolorosa, mas atravessar a linha tênue
entre chegar e partir, é natural, todos farão o mesmo percurso.
Se você entender que há pessoas que chegaram e partiram,
que algumas virão, querendo ir embora. Outras irão, querendo ficar.
E que há até aquelas que chegam num cruzar de olhares, e jamais as veremos de novo.
Se conseguires compreender a naturalidade e a importância que a chegada e a partida têm,
conseguirás viver a celebrar cada um dos lados dessa plataforma.
E reencontrará os que partiram, lá do outro lado, e acenarás, emanarás teu amor a eles,
e eles que lá te avistaram e sentem-se amados por ti, manterão-se vivos em ti.
Você é quem os eternizarás!
Afinal, somos responsáveis por quem cativamos e mantemos cativados.
Se cativamos e somos cativados, não importa o lado da estação em que estejamos,
os laços que os unem, alcançarão a ti e os que atravessaram para o outro lado da trajetória.
É como se caminhássemos de um lado da avenida, em que carros transitam,
e ao olharmos para o outro lado, os que amamos, estarão a caminhar conosco,
nos olhando, nos cuidando, nos amando, no mesmo sentido, apenas estarão do outro lado da avenida.
E ao chegar a hora de atravessá-la, quando não houverem mais carros a transitar, sua travessia se dará, e serás amorosamente recebido.
O seu céu, sem estrelas, não brilha. Aprenda que o amor que te une às suas estrelas, é eterno.
E o seu céu se reduzirá a tal distância de um segurar de mãos, de um abraço apertado e um beijo em sua bochecha.
Aproveite e viva cada dia, do lado em que se encontra nessa plataforma, e que ao chegar a hora do seu trem de partida, não lamente, agradeça.
Sortudos são os que já atravessaram a plataforma, pois vivem nos braços de Deus, por entre nuvens e campos, continuam a aprender e ensinar o que tanto sabem.
O seu lado da sua plataforma, não é para todos. O lado de lá, é para todos, e lá são recebidos com bençãos, amor, alegria, luz, afago e muita paz.
Essa é a vida do meu lugar, essa é a vida!



(Encontros e Despedidas - Maria Rita)
https://www.youtube.com/watch?v=CU6id0U2hGA

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Voa, tia Lu, voa!

Você se foi e me deixou assim, de um jeito em que meus pés não tocam o chão.
A sensação de estar em um pleno pesadelo, mas a certeza da realidade.
Um vão enorme, sem medições, sem fundo. Uma queda livre, sem proteção.
Acreditei que você fosse eterna, quão tolo eu sou. O céu sem estrelas, não brilha.
São 13 anos de convivência, ensinamentos, aprendizados, amizade, amor de mãe e filho.
Sua eternidade permanece em mim, tia Lu, minha mãe.
Não consigo tratar de você no passado. Você é meu presente, meu futuro.
Você jamais será meu passado, tia Lu.
Com muita garra, chegou na cidade em 1971, e em 26 de agosto daquele ano, fundava a que seria a maior escola de dança do estado de Sergipe, famosa por todo país.
Por ironia do destino, no primeiro endereço, o Studium ficava em frente à casa dos meus avós paternos. E você já dizia o quanto viu meu pai e irmãos crescerem. Meu pai casou com minha mãe, eu nasci, e como o mundo dá tantas voltas, parei em teus braços.
Lembro de nossa primeira aula de dança-teatro. Você me observava com empolgação, e surgiu o convite de dançar. Nos anos seguintes, virei assistente da turma de dança-teatro, e somente alguns anos depois, finalmente, me tornava seu aluno de dança moderna.
Você fez brotar em mim, a minha essência artística, mas pessoal. Contigo aprendi a dançar, a estudar e pesquisar dança, e descobrir minha vocação na vida.
Tudo que produzi artisticamente, até hoje, foi pensando em você, no que falaria, se aprovaria, quais conselhos para melhorar, o que acrescentar e retirar dos meus trabalhos artísticos. Seu aval é fundamental! Hoje, esse aval é no meu interior, no meu coração, pois qualquer produção de agora em diante, continuará sendo pensada em você.
Fisicamente, tornei-me órfão de ti. Só que nem adianta que me digam que você se foi, pois estás aqui, estás em mim, minha mãe. Sua presença é forte, é concreta, é real.
Esteja em qual sala de aula que passar, é você que estará na minha frente, me ensinando, me corrigindo, me dando forças, coragem e autoconfiança para continuar. E eu continuarei!
"Marcaram? Agora, dancem!"; "A gente nasce para o que faz."; Olha esse quadril, Ricardo!"; "Força, desce a coluna, para o arabesch subir."; "Vamos lá, dancem!"; "Mais uma vez!"; "Te amo, meu filho!"...são algumas das frases que não têm saído de minha cabeça, desde então. E delas, me restam duas principais perguntas:
E agora, tia Lu? Tia Lu, para onde?
E delas, outras vêm em sequencia.
E agora, mãe? Como vai ser daqui para frente? Qual rumo a tomar? Como vai ser viver sem mais olhar nos teus olhos, ver teu sorriso, ouvir tuas histórias mirabolantes, aprender contigo?
Eu estou sem rumo. Eu apenas existo. Existir, é esse o único verbo que conheço nesse instante.
Eu existo, eu não vivo.
Em dois meses, perdi minha avó Lucy e, agora, você. Duas grandes perdas, difíceis de me recuperar.
Não há como eu viver, apenas como existir.
Parece que voltei para Aracaju, apenas para perder as pessoas que amo.
Ou talvez, para poder me despedir das pessoas que amo.
De certa forma, agradeço a Deus de poder estar aqui e ter conseguido me despedir de ti e de minha avó.
E esperar a ferida amenizar a dor, conseguir aprender a conviver com ela, na verdade.
Só posso prometer a você e a minha avó, que me empenharei para isso. E pela força que vovó, minha mãe, você e, atualmente, minha sobrinha Lara, vêm me ensinando a ter, eu viverei, mas carregarei as duas em minhas entranhas, em minha alma.
Tia Lu, minha mãe, que seu descanso seja em paz e eterno, que sua presença esteja sempre ao meu lado, que você e vovó guiem meus passos e me protejam, amém!
Vocês entraram num trem, e eu na estação, vendo um céu fugir. Também não dava mais para tentar lhes convencer a não partir. E agora, tudo bem, vocês partiram, para verem outras paisagens. E o meu coração, embora, finja fazer mil viagens, fica batendo parado naquela estação.
Fique com Deus, cuide-se, aproveite sua nova estadia, e daqui, ficarei e lembrar de ti, com saudades, mas nutrindo o amor que tenho por ti.

Voa, tia Lu, voa! Vai bailar aí no céu! Encante a todos com a sua dança! Só eles terão o privilégio de ter ver nos palcos, agora. Sortudos, são todos que aí estão contigo no céu. Dança, tia Lu. Dança!


Regina Lúcia Matos Spinelli
(Tia Lu Spinelli)

*25/11/1950
+11/11/2015