quarta-feira, 3 de outubro de 2007

OEPRÁRIO EM CONSTRUÇÃO - VINÍCUIS DE MORAES

Era ele que erguia casas
Onde antes so' havia chao.
Como um passaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mao.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missao:
Nao sabia por exemplo
Que a casa de um homem e' um templo
Um templo sem religiao
Como tampouco sabia
Que a casa quer ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidao.
De fato como podia
Um operario em construcao
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pao?
Tijolos ele empilhava
Com pa', cimento e esquadria
Quanto ao pao, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operario ia
Com sour e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Alem uma igreja, `a frente
Um quatel e uma prisao:
Prisao de que sofreria
Nao fosse eventuialmente
Um operario em contrucao.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinario:
Que o operario faz a coisa
E a coisa faz o operario.
De forma que, certo dia
`A mesa, ao cortar o pao
O operario foi tomado
De uma subita emocao
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facao
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operario
Um operario em construcao.
Olhou em torno:L gamela
Banco, enxerga, caldeirao
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nacao!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operario
Um operario que ssabia
Exercer a profissao.
Ah, homens de pensamento
Nao sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operario
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operario emocionado
Olhou sua propria mao
Sua rude mao de operario
De operario em construcao
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressao
De que nao havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro dessa compreehsao
Desse instante solitario
Que, tal sua construcao
Cresceu tambem o operario
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coracao
E como tudo que cresce
Ele nao cresceu em vao
Pois alem do que sabia
- Excercer a profissao -
O operario adquiriu
Uma nova dimensao:
A dimensao da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operario dizia
Outro operario escutava.
E foi assim que o oparaio
Do edificio em construcao
Que sempre dizia "sim"
Comecao a dizer "nao"
E aprendeu a notar coisas
A que nao dava atencao:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrao
Que sua cerveja preta
Era o uisque do patrao
Que seu macacao de zuarte
Era o terno do patrao
Que o casebre onde morava
Era a mansao do patrao
Que seus dois pes andarilhjos
Eram as rodas do patrao
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrao
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrao.
E o operario disse: Nao!
E o operario fez-se forte
Na sua resolucao
Como era de se esperar
As bocas da delacao
Comecaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrao
Mas o patrao nas queria
Nenhuma preocupacao.
- "Convencam-no" do contrario
Disse ele sobre o operario
E ao dizer isto sorria.
Dia seguinte o operario
Ao sair da construcao
Viu-se subito cercado
Dos homens da delacao
E sofreu por destinado
Sua primeira agressao
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braco quebrado
Mas quando foi perguntado
O operario disse: Nao!
Em vao sofrera o operario
Sua primeira agressao
Mouitas outras seguiram
Muitas outras seguirao
Porem, por imprescindivel
Ao edificio em construcao
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construcao que crescia.
Sentindo que a violencia
Nao dobraria o operario
Um dia tentou o patrao
Dobra-lo de modo contrario
De sorte que o foi levando
Ao alto da construcao
Enum momento de tempo
Mostrou-lhe toda a regiao
E apontando-a ao operario
Fez-lhe esta declaracao:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfacao
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo o que ves
Sera' teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer nao.
Disse e fitou o operario
Que olhava e refletia
Mas o que via o operario
O patrao nunca veria
O operario via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrao
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mao.
E o operario disse: Nao!
- Loucura! - gritou o patrao
Nao ves o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operario
Nao podes dar-me o que e' memu.
E um grande silencio fez-se
Dentro do seu coracao
Um silencio de martirios
Um silencio de prisao.
Um sielncio povoado
De pedidos de perdao
Um silencio apavorado
Com o medo em solidao
Um silencio de torturas
E gritos de maldicao
Um silencio de fraturas
A se arratarem no chao
E o operario ouviu a voz
De todos os seus irmaos
Os seus irmaos que morreram
Por outros que viverao
Uma esperanca sincera
Cresceu no seu coracao
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razao
De um homem pobre e esquecido
Razao porem que fizera
Em operario construido
O operario em construcao

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