segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Voa, tia Lu, voa!

Você se foi e me deixou assim, de um jeito em que meus pés não tocam o chão.
A sensação de estar em um pleno pesadelo, mas a certeza da realidade.
Um vão enorme, sem medições, sem fundo. Uma queda livre, sem proteção.
Acreditei que você fosse eterna, quão tolo eu sou. O céu sem estrelas, não brilha.
São 13 anos de convivência, ensinamentos, aprendizados, amizade, amor de mãe e filho.
Sua eternidade permanece em mim, tia Lu, minha mãe.
Não consigo tratar de você no passado. Você é meu presente, meu futuro.
Você jamais será meu passado, tia Lu.
Com muita garra, chegou na cidade em 1971, e em 26 de agosto daquele ano, fundava a que seria a maior escola de dança do estado de Sergipe, famosa por todo país.
Por ironia do destino, no primeiro endereço, o Studium ficava em frente à casa dos meus avós paternos. E você já dizia o quanto viu meu pai e irmãos crescerem. Meu pai casou com minha mãe, eu nasci, e como o mundo dá tantas voltas, parei em teus braços.
Lembro de nossa primeira aula de dança-teatro. Você me observava com empolgação, e surgiu o convite de dançar. Nos anos seguintes, virei assistente da turma de dança-teatro, e somente alguns anos depois, finalmente, me tornava seu aluno de dança moderna.
Você fez brotar em mim, a minha essência artística, mas pessoal. Contigo aprendi a dançar, a estudar e pesquisar dança, e descobrir minha vocação na vida.
Tudo que produzi artisticamente, até hoje, foi pensando em você, no que falaria, se aprovaria, quais conselhos para melhorar, o que acrescentar e retirar dos meus trabalhos artísticos. Seu aval é fundamental! Hoje, esse aval é no meu interior, no meu coração, pois qualquer produção de agora em diante, continuará sendo pensada em você.
Fisicamente, tornei-me órfão de ti. Só que nem adianta que me digam que você se foi, pois estás aqui, estás em mim, minha mãe. Sua presença é forte, é concreta, é real.
Esteja em qual sala de aula que passar, é você que estará na minha frente, me ensinando, me corrigindo, me dando forças, coragem e autoconfiança para continuar. E eu continuarei!
"Marcaram? Agora, dancem!"; "A gente nasce para o que faz."; Olha esse quadril, Ricardo!"; "Força, desce a coluna, para o arabesch subir."; "Vamos lá, dancem!"; "Mais uma vez!"; "Te amo, meu filho!"...são algumas das frases que não têm saído de minha cabeça, desde então. E delas, me restam duas principais perguntas:
E agora, tia Lu? Tia Lu, para onde?
E delas, outras vêm em sequencia.
E agora, mãe? Como vai ser daqui para frente? Qual rumo a tomar? Como vai ser viver sem mais olhar nos teus olhos, ver teu sorriso, ouvir tuas histórias mirabolantes, aprender contigo?
Eu estou sem rumo. Eu apenas existo. Existir, é esse o único verbo que conheço nesse instante.
Eu existo, eu não vivo.
Em dois meses, perdi minha avó Lucy e, agora, você. Duas grandes perdas, difíceis de me recuperar.
Não há como eu viver, apenas como existir.
Parece que voltei para Aracaju, apenas para perder as pessoas que amo.
Ou talvez, para poder me despedir das pessoas que amo.
De certa forma, agradeço a Deus de poder estar aqui e ter conseguido me despedir de ti e de minha avó.
E esperar a ferida amenizar a dor, conseguir aprender a conviver com ela, na verdade.
Só posso prometer a você e a minha avó, que me empenharei para isso. E pela força que vovó, minha mãe, você e, atualmente, minha sobrinha Lara, vêm me ensinando a ter, eu viverei, mas carregarei as duas em minhas entranhas, em minha alma.
Tia Lu, minha mãe, que seu descanso seja em paz e eterno, que sua presença esteja sempre ao meu lado, que você e vovó guiem meus passos e me protejam, amém!
Vocês entraram num trem, e eu na estação, vendo um céu fugir. Também não dava mais para tentar lhes convencer a não partir. E agora, tudo bem, vocês partiram, para verem outras paisagens. E o meu coração, embora, finja fazer mil viagens, fica batendo parado naquela estação.
Fique com Deus, cuide-se, aproveite sua nova estadia, e daqui, ficarei e lembrar de ti, com saudades, mas nutrindo o amor que tenho por ti.

Voa, tia Lu, voa! Vai bailar aí no céu! Encante a todos com a sua dança! Só eles terão o privilégio de ter ver nos palcos, agora. Sortudos, são todos que aí estão contigo no céu. Dança, tia Lu. Dança!


Regina Lúcia Matos Spinelli
(Tia Lu Spinelli)

*25/11/1950
+11/11/2015